Com a tecnologia na palma de suas mãos, a Geração Alpha é uma geração hiperconectada e que está sempre interagindo globalmente.
Cada dia surgem novas trends, assuntos super comentados pelo mundo inteiro online, e que no dia seguinte já se tornam cringe. Nesses tempos de muita fluidez de conteúdo e constantes mudanças, como fazemos para acompanhar essa geração, sem ficar para trás?
A Geração Alpha são os nascidos entre os anos de 2010 até 2024, a primeira geração 100% digital. Essas crianças já nasceram hiperconectadas, sabendo o significado das palavras app, cloud, hashtag, tablet, selfie, emergência global, relacionamentos tóxicos, fake news, COVID-19, saúde mental e cultura do cancelamento. Ufa! Apesar de saberem mexer naturalmente no smartphone antes mesmo de aprender a falar, cresceram em meio a muitas mudanças.
Segundo a pesquisa McCrindle, disponível em inglês no site www.generationalpha.com, essa geração vai ser sempre global. As questões climáticas, por exemplo, que impactam o clima em todo o planeta, são preocupações das crianças tanto aqui no Brasil, quanto nos outros países. Greta Thunberg que o diga. Entre as principais características, o estudo menciona também como essa geração é extremamente visual.
Ao contrário das gerações anteriores, que tinham somente a TV e o Cinema para escolher entre o conteúdo disponível, essa geração hoje assiste o que quer, quantas vezes quiser, não importa a hora ou o lugar. Antes, era uma relação predominantemente passiva, em aceitar o que estava passando e, agora, basta procurar o que mais te interessa. Ou ser bombardeado nas redes sociais o tempo todo. Por isso, de forma quase direta, ditam o fluxo de conteúdo da internet, consumindo tendências e inventando muita moda por aí.

À direita inferior é uma imagem publicitária do app exclusivo da série “O Mundo de Gumball”, o “Gumball Vip App” voltado para o público infantil, acostumado com as multitelas.
Saúde mental e as crianças de hoje
O algoritmo das redes sociais promove um ambiente de hype que convida a todos participarem e conhecerem novos conteúdos. Isso gera um movimento de influência, e um sentimento de pertencimento dentro de um grupo, e disso a Geração Alpha entende e reforça muito bem – eles cresceram inseridos nesse mecanismo. É dentro desse ciclo que os modismos se concretizam, os memes e tendências, pelo fato de muitas pessoas conversarem sobre a mesma coisa por um período de tempo. Mas a saturação desses assuntos dentro das redes sociais acontece de forma muito rápida também.
Como todo hábito em excesso, estar hiperconectado pode acabar sendo prejudicial. O excesso de informações acaba por gerar ansiedade e impaciência por qualquer um que não conseguir se conectar. Tem até nome pra isso: FOMO, sigla em inglês para Fear Of Missing Out, ou medo de estar por fora. Não podemos negar que esses altos índices de ansiedade e depressão dentro dessa geração pode ser potencializado por conta do uso exagerado das redes sociais.

O premiado curta-metragem francês de 2018 “Best Friend” retrata, de maneira fictícia, a dependência que é criada com o uso das ferramentas sociais digitais disponíveis ao nosso alcance.
Por outro lado, também observamos uma crescente unidade de pessoas e criadores de conteúdo a fim de transformar o mundo digital em um lugar mais seguro e acolhedor. Segundo o estudo da RSPH do Reino Unido, o público jovem rankeou o Youtube como a única rede social que gerou um impacto mais positivo que negativo em comparação aos outros como Instagram, Twitter e Facebook. Essa rede social apresenta todo tipo de conteúdo em vídeo online. Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2018, oito em cada dez crianças e adolescentes do Brasil assistem a vídeos, programas, filmes ou séries na internet. Por este e mais outros motivos, essa geração se tornou alvo principal no mercado, por estarem muito inseridos na mídia e, por consequência, serem grandes consumidores.
Com o celular ou tablet na palma da mão, uma criança de dois anos já consegue acessar um canal de conteúdo pré-escolar como Galinha Pintadinha ou Mundo Bita. Um pouquinho mais velhos, já jogam Freefire ou Minecraft, por exemplo, ou novelas pré-adolescentes como os vídeos no canal Viih Tube. Por estarem sempre conectados, a quantidade de conteúdo para a Geração Alpha nas plataformas cresce de forma significativa e, por consequência, se tornaram um de seus principais consumidores.

Infográfico desenvolvido pela Royal Society for Public Health que ranqueia alguns aspectos que impactam os usuários da rede social YouTube em níveis entre 1, positivo, e -1, negativo.
Por isso, é de suma importância os responsáveis pela criação de conteúdo ficarem ligados às novidades, tendências e comportamentos, e projetar o seu olhar criativo mais para frente – visando o público da época de exibição. Um filme ou série pode levar anos entre o processo de criação, investimento, produção até a exibição. Nem sempre os memes de hoje permanecerão daqui uns anos. Se prevenir dos modismos, e se apegar a temas universais – algo que seja uma realidade que todos possam se identificar – pode ser uma chave para gerar um conteúdo de qualidade e duradouro, principalmente para as crianças de hoje.
Como criar conteúdo para a Geração Alpha
Questões sobre nossa humanidade, emoções, dificuldades e diversidade passaram a ganhar mais espaço de discussão. A mídia deixou de ser um lugar das utopias e sim um lugar real, onde podemos nos expressar, encontrar pessoas iguais a nós e buscar conteúdos que nos interessam mais, e foi nesse contexto que a geração alpha cresceu. Analisamos abaixo algumas animações de sucesso atualmente para trazer algumas reflexões, veja só.
Na série She-ra original de 1985, a protagonista era uma mulher madura que usava os poderes da espada para combater a Horda, o plot era marcado pelo famoso save the day e sempre trazia uma lição de moral – sua densidade emocional e a de seus colegas não eram muito explorados na narrativa. Sem contar que todos os personagens eram fisiologicamente muito parecidos e as personagens femininas se apresentavam de maneira muito madura para o público infantil. Bem semelhante à série de seu irmão gêmeo He-man, seu antecessor, só que para o público infantil feminino.
No reboot She-ra Princess of Power, a história principal e personagens continuam iguais, porém representados de maneira mais atual/adequada ao público. Na atual da criadora Noelle Stevenson, a protagonista Adora é uma pré-adolescente que encontra dificuldade em exercer o seu destino por conta das suas próprias dificuldades e medos; o conteúdo por mais que traga mais dimensão emocional aos personagens, é mais descontraído e divertido; os seus colegas e demais personagens são representados de maneiras mais diversas, criativas e sem dúvidas, mais inclusiva. A série mostra inclusive uma dimensão mais profunda na relação heroi x vilão, quebrando a expectativa de que o vilão é apenas “do mal”. Conhecemos suas diversas camadas incluindo uma sensibilidade amorosa, com a própria protagonista!


Alguns detalhes do figurino da personagem já mostram mudanças importantes no revival de She-ra. À esquerda temos a adaptação de She-ra produzida pela DreamWorks em 2018, e à direita sua versão original de 1985.
Outro exemplo que podemos usar é a série Miraculous: As aventuras de Ladybug, uma série globalizada e diversa, que teve sucesso mundial. Não só pelo fato de ter sido produzida em co-produção entre duas produtoras francesas e uma japonesa, a série carrega muitos elementos diversos característicos dos dois países. O pai da personagem trabalha em uma típica boulangerie (padaria) francesa, com seus macarons em destaque, ao mesmo tempo que a personagem carrega traços físicos orientais e tem amigos de diversas nacionalidades, assim como é a vida real, diversa e múltipla. E, também, apesar de ser uma história de super-heróis, a protagonista feminina Ladybug tem seu parceiro Cat Noir que, apesar de parecer comum, já é uma mudança de representatividade muito importante, devido às pouca popularidade de heroínas femininas.

Percebe-se uma diversidade entre os de personagens que compõem a família e amigos da protagonista na série “Miraculous: As Aventuras de Ladybug”.
Não existe fórmula mágica
As crianças são praticamente autônomas no mundo digital e têm acesso a conteúdos diversos e em diferentes plataformas. É muito difícil estipular uma “fórmula” para qual seria o tipo certo de conteúdo para crianças, levando em consideração que hoje elas assistem de tudo um pouco. Inclusive conteúdos que não são para a sua faixa etária.
Prender a atenção desse espectador pode ser um grande desafio, uma vez que estão acostumados com o instantâneo. A impaciência junto com a curiosidade, pode levá-los a uma aceleração do processo do amadurecimento e a acessar conteúdos que não correspondem à sua faixa etária. Nós sabemos que toda criança almeja ser mais velha e, por isso, espelham muito as atitudes dos mais velhos. Ao criarmos um conteúdo focado para crianças de 6 a 8 anos, por exemplo, é importante o protagonista ter os seus 8 anos, pois o público de 7 anos já vai achar bobinho um personagem que tenha 6 ou mesmo 7 anos. E dessa forma, gerar mais identificação com o público geral, podendo alcançar a faixa dos 4, 5 anos também. Sem desconsiderar os pais que assistem junto também.
Por mais que as crianças assistam e tenham acesso a um conteúdo mais à frente da sua idade, isso não significa que precisamos apresentar algo que esteja à frente de seu entendimento, e sim, apresentar algo único, que os represente de verdade. Para nós, produtores de conteúdo, temos que sempre tomar o cuidado de não atropelar a vivência necessária da infância em si.
Vlog de Pilar, conteúdo exclusivo da série “Diário de Pilar” no YouTube.
É preciso saber falar na língua da criança, trazendo valores como respeito, amor próprio, honestidade, trabalho em equipe e responsabilidade, e outros valores de forma intrínseca ao conteúdo, Isso tudo sem subestimar sua imaturidade também, sabendo equilibrar pra não ser muito didático. É preciso saber surfar nesse movimento, “conversar” com esse público, respeitando sua maturidade; tem horas que podemos ter um tom mais educativo, e outras onde podemos soltar mais a mão com entretenimento.
No final do dia, crianças são apenas crianças, em qualquer lugar e em qualquer época. A tecnologia que hoje funciona muito bem como ferramenta de estudo, entretenimento e engajamento social existe junto com muitos outros temas e valores que ainda não estão muito bem formados na sua personalidade. Por mais que essa geração seja engajada tecnologicamente e socialmente, isso não as torna menos vulneráveis, curiosas, medrosas ou criativas. Para contar histórias, é preciso saber ouvir histórias. Ainda temos muito o que criar e aprender, em especial, com as crianças da Geração Alpha.
Leia mais:
Agencia Brasil EBC: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-09/brasil-tem-243-milhoes-de-criancas-e-adolescentes-utilizando-internet
RSPH: https://www.rsph.org.uk/our-work/campaigns/status-of-mind.html
App Gumball: https://play.google.com/store/apps/details?id=com.turner.gumballvip&hl=pt_BR&gl=US
Miraculous LadyBug: https://www.miraculousladybug.com/en/
McCrindle: https://www.generationalpha.com
Estudo Geração Youtube – ESPM Media Lab: https://www.youtube.com/watch?v=0aEdheEIsAg