Entenda como a nostalgia, adaptações e novas tecnologias são tão valiosos no diálogo com o grande público
Existem muitas formas de renovação e nós, como um estúdio de animação que também produz de acordo com as movimentações do público e mercado, pudemos reparar no uso da nostalgia, de algumas boas estratégias para as marcas para se manterem atuais – desde que bem executadas.
Parece um paradoxo, mas sim, saber utilizar a nostalgia para criar novos conteúdos tem se mostrado uma estratégia eficaz. Assim, fizemos uma longa pesquisa para entender de onde veio isso, passando pelo mercado de games, tecnologia e influenciadores digitais. Senta que lá vem história:

Rivalidade entre os personagens Mario e Sonic, que se tornaram o rosto de suas marcas-mãe, Nintendo e Sega.
SEGA x NINTENDO: Personagens e Tecnologias que moldaram a indústria de games
Essas duas marcas são entendidas como clássicas e pioneiras no mercado de games, embora a primeira tenha se afastado dos holofotes – até pouco tempo, com os filmes do ouriço azul.
O documentário Console Wars (disponível na HBO Max) aborda o conflito entre a Nintendo e a Sega nos anos 90. De acordo com a obra, a Nintendo detinha cerca de 95% do mercado de games com seu console bastante popular, o Nintendo Entertainment System (NES ou Nintendinho, como é conhecido por muitos aqui no Brasil). Já a Sega, por sua vez, ocupava a colocação de 14º lugar no ranking das maiores empresas do setor, classificando-a como bastante inferior à gigante concorrente.
A contratação de Tom Kalinske como CEO da Sega América gerou uma série de mudanças, e dentre elas se destacam estratégias de marketing bastante agressivas que depreciaram a concorrência (que também participava do conflito). Chegaram mesmo a inventar termos técnicos como “Blast Processing” para justificar a velocidade de processamento do Mega Drive, para persuadir o consumidor. Aliado à tecnologia, a Sega investiu em um hardware que permitiu criar jogos e personagens muito mais rápidos para o contexto da época: e assim ganhou vida o icônico personagem Sonic. A partir desse novo olhar, a empresa conseguiu ocupar o primeiro lugar na indústria de games nos EUA.
Apesar do grande desafio em enfrentar a Nintendo, a aposta em uma tecnologia inovadora chamou atenção no mercado com uma estratégia de marketing bem elaborada. Com seu personagem rebelde e veloz, a Sega se posicionou como descolada para um público teen que se identificou bastante, um páreo forte contra o Mário, que foi pintado como infantil na concorrência direta e agressiva que a empresa fez contra a concorrente. Tão logo, o personagem bigodudo foi ultrapassado pelo jovem e rebelde Sonic. O grande numero de vendas do Mega Drive fez o Sonic se tornar um personagem tão reconhecível quanto o Mickey Mouse em um curtíssimo período de tempo e, entre outras coisas, ajudou a moldar o mercado de games.
O fim do conflito se deu pela saída da Sega do mercado, em 2001. Apesar de ter conquistado o papel de principal competidora na indústria de games, uma sequência de lançamentos de consoles ruins fez a empresa perder bastante a confiança no grande público. A mesma inovadora tecnologia que deu seu boom inicial foi o motivo de sua queda, por não conseguirem manter as expectativas do público. E para piorar, a Sony entrou na briga ao introduzir o Playstation, um console que usa a tecnologia de CD-ROM, inovadora na época, que tomou a liderança do mercado deixando tanto a Nintendo quanto a Sega impotentes quanto a esta nova era.

Rivalidade entre Sega e Nintendo a partir de seus consoles e personagens originais.
A história da Sega é um ótimo exemplo de como estratégias de marketing, um personagem forte que representa os valores da marca e um bom posicionamento são a base para bater de frente com os líderes de mercado.
Mas a história da companhia não para por aí. A figura do Sonic voltou forte nestes últimos anos, e isso tem um culpado: Sonic: O Filme (2020), um longa-metragem que traz animação 3D e live-action integrados. Ao se apoiar na nostalgia e se manifestar como uma nova forma de enxergar o personagem, muitos olhares se guiaram para o filme, que fez bastante sucesso. Sonic 2: O Filme entrou para a história do cinema se tornando a maior bilheteria da história nos EUA para um filme baseado em game.
O olhar atento da Sega às novas tecnologias, investimento de marketing para posicionar bem o seu público e marca foram os fatores decisivos para a empresa bater de frente com a concorrente, e a integração da nostalgia nos novos filmes da empresa retomam essas qualidades.
A Nintendo não saiu por baixo, inovando em diversos consoles como o Nintendo Wii e o Switch enquanto cria universos incríveis com o carisma dos personagens e elementos tão bem conhecidos. Além disso, ela também decidiu entrar na onda de integrar cinema, games e nostalgia com o anúncio do filme Super Mario Bros (2023).
Nostalgia: Personagens clássicos e novas histórias
Tecnicamente, o filme do Sonic não é o primeiro a trazer a integração entre personagens animados e live action no cinema, Uma Cilada Para Roger Rabbit (1988) é um exemplo de longa-metragem que faz um ótimo uso dessa linguagem. A partir disso, diversos filmes exploraram essa ideia e buscaram diferentes técnicas de animação conforme a tecnologia evoluiu, como visto em Space Jam: O Jogo do Século (1996), Os Smurfs (2011) e Tico e Teco: Defensores da Lei (2022).

Cena do filme ‘Uma Cilada para Roger Rabbit’ (1988).
E não foram apenas estes filmes que buscaram representar personagens clássicos na nossa realidade. A Disney é outro exemplo que se apropriou da evolução tecnológica e nostalgia para recriar seus clássicos animados como adaptações em live action e animação hiperrealista, o que nos faz questionar: Porque recontar essas mesmas tramas, ou voltar a explorar seus universos em vez de criar algo totalmente novo?
A nostalgia vende! De acordo com o psiquiatra e psicanalista Cecílio Paniagua, nostalgia é um sentimento misto que traz a felicidade por estar associado a experiências prazerosas, mas sempre ligado ao desgosto de não possuí-las mais. Porém, a nostalgia deixou de ser entendida a partir deste viés mais pessimista, como abordado em pesquisas recentes, que concluíram que esse sentimento é eficaz no combate à solidão e à ansiedade, provocando uma sensação de bem-estar. Contudo, é importante considerarmos que mesmo pessoas que não viveram uma experiência passada, dentro de determinado contexto, são capazes de se conectar com conteúdos nostálgicos.
Um exemplo disso é o fato de ser bastante comum ver pais levarem os filhos a assistirem os remakes de clássicos da Disney nos cinemas com a intenção de apresentá-los a narrativas que assistiam quando eram mais jovens. E os mais novos se encantam mesmo sem terem assistido aos clássicos. Ampliando assim, o público de duas ou mais gerações que fortalece a marca para as próximas gerações.
E, por falar em Disney, ficou claro que eles entendem bastante do assunto. Dois exemplos claros que expõem a grandeza de seu sucesso são Alladin (2019) e Rei Leão (2019), que juntos arrecadaram mais de 2 bilhões de dólares em bilheterias em todo o mundo, de acordo com o portal Box Office Mojo.

Etapas de produção do filme Rei Leão (2019).
Apesar de ser considerado uma “versão live action” do Rei Leão de 1994, o filme mais recente não contou com cenários e personagens reais. O avanço da tecnologia por trás da produção de animações 3D permitiu a interpretação de elementos orgânicos e inorgânicos como se fossem reais de fato. Contudo, apesar de muito do que foi produzido ser uma animação, alguns movimentos de câmera foram capturados na vida real e traduzidos para o computador, fortalecendo o aspecto de “documentário da vida selvagem” que o filme carrega.
Além dos simuladores de pêlos e movimento de músculos, que operaram por camadas para ampliar o senso de realismo, uma prática curiosa chamou a atenção. O filme foi produzido a partir de processos virtuais ao se apropriar de óculos de realidade virtual para os realizadores se sentirem dentro do filme.
Desse modo, é notável a relevância da tecnologia para filmes que recontam uma história conhecida ao explorar uma técnica de produção diferente, que permite a fuga do “mais do mesmo” ao mesmo tempo que explora novas possibilidades de desenvolver narrativas.
Porém, é importante destacar que a renovação não precisa, necessariamente, se fundar na nostalgia para fazer sucesso. A participação ativa das redes sociais na vida de todos abriu espaço para as marcas se renovarem através de sua humanização, com criação de novos personagens, como exploramos no blog Como criar personalidades reais para as assistentes virtuais das marcas?.
Renovação de Valores
É comum que a indústria cinematográfica busque explorar histórias já conhecidas sob novos olhares, uma vez que tem garantido uma quantidade boa de ingressos vendidos aos fãs do universo e personagens. Assim, se torna possível arriscar com mais segurança em novas narrativas. E assim, renovar grandes histórias para os novos públicos, através de novos olhares e tecnologias.
Assim como a Sega fez com o Sonic, pensar nos valores da marca alinhados aos desejos e interesses do público fortalece seu símbolo, que poderá ser reconhecido facilmente no imaginário das pessoas. Saber usar as novas tecnologias ou inovar como a Disney são também essenciais para se conectar com o público através de seus olhares.
Seja para criar novas histórias, novos personagens ou novas tecnologias, são valores como respeito, agilidade, força, garra e cuidado que criam a base para qualquer nova criação.